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sexta-feira, 13 de junho de 2014

PASSEIO SOCRÁTICO


Ao viajar pelo Oriente, mantive contatos com monges do Tibete, da Mongólia, do Japão e da China. Eram homens serenos, comedidos, recolhidos em paz nos seus mantos cor de açafrão.
Outro dia, eu observava o movimento do aeroporto de São Paulo: a sala de espera cheia de executivos dependurados em telefones celulares; mostravam-se preocupados, ansiosos e, na lanchonete, comiam mais do que deviam. Com certeza, já haviam tomado café da manhã em casa, mas como a companhia aérea oferecia um outro café, muitos demonstravam um apetite voraz. Aquilo me fez refletir: Qual dos dois modelos produz felicidade? O dos monges ou o dos executivos?
Encontrei Daniela, 10 anos, no elevador, às nove da manhã, e perguntei: “Não foi à aula?” Ela respondeu: “Não; minha aula é à tarde”. Comemorei: “Que bom, então de manhã você pode brincar, dormir um pouco mais”. “Não”, ela retrucou, “tenho tanta coisa de manhã...” “Que tanta coisa?”, indaguei. “Aulas de inglês, balé, pintura, piscina”, e começou a elencar seu programa de garota robotizada. Fiquei pensando: “Que pena, a Daniela não disse: ‘Tenho aula de meditação!’”
A sociedade na qual vivemos constrói super-homens e supermulheres, totalmente equipados, mas muitos são emocionalmente infantilizados. Por isso as empresas consideram que, agora, mais importante que o QI (Quociente Intelectual), é a IE (Inteligência Emocional). Não adianta ser um superexecutivo se não se consegue se relacionar com as pessoas. Ora, como seria importante os currículos escolares incluírem aulas de meditação!
Uma próspera cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960, seis livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem sessenta academias de ginástica e três livrarias! Não tenho nada contra malhar o corpo, mas me preocupo com a desproporção em relação à malhação do espírito. Acho ótimo, vamos todos morrer esbeltos: “Como estava o defunto?”. “Olha, uma maravilha, não tinha uma celulite!” Mas como fica a questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidade amorosa?
Outrora, falava-se em realidade: análise da realidade, inserir-se na realidade, conhecer a realidade. Hoje, a palavra é virtualidade. Tudo é virtual. Pode-se fazer sexo virtual pela internet: não se pega aids, não há envolvimento emocional, controla-se no mouse. Trancado em seu quarto, em Brasília, um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio, sem nenhuma preocupação de conhecer o seu vizi¬nho de prédio ou de quadra! Tudo é virtual, entramos na virtualidade de todos os valores, não há compromisso com o real! É muito grave esse processo de abstração da linguagem, de sentimentos: somos místicos virtuais, religiosos virtuais, cidadãos virtuais. Enquanto isso, a realidade vai por outro lado, pois somos também eticamente virtuais…
A cultura começa onde a natureza termina. Cultura é o refinamento do espírito. Televisão, no Brasil - com raras e honrosas exceções -, é um problema: a cada semana que passa, temos a sensação de que ficamos um pouco menos cultos. A palavra hoje é ‘entretenimento’; domingo, então, é o dia nacional da imbecilidade coletiva. Imbecil o apresentador, imbecil quem vai lá e se apresenta no palco, imbecil quem perde a tarde diante da tela. Como a publicidade não consegue vender felicidade, passa a ilusão de que felicidade é o resultado da soma de prazeres: “Se tomar este refrigerante, vestir este tênis,¬ usar esta camisa, comprar este carro, você chega lá!” O problema é que, em geral, não se chega! Quem cede desenvolve de tal maneira o desejo, que acaba¬ precisando de um analista. Ou de remédios. Quem resiste, aumenta a neurose.
Os psicanalistas tentam descobrir o que fazer com o desejo dos seus pacientes. Colocá-los onde? Eu, que não sou da área, posso me dar o direito de apresentar uma su-gestão. Acho que só há uma saída: virar o desejo para dentro. Porque, para fora, ele não tem aonde ir! O grande desafio é virar o desejo para dentro, gostar de si mesmo, começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse condicionamento globocolonizador, neoliberal, consumista. Assim, pode-se viver melhor. Aliás, para uma boa saúde mental três requisitos são indispensáveis: amizades, auto-estima, ausência de estresse.
Há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno. Se alguém vai à Europa e visita uma pequena cidade onde há uma catedral, deve procurar saber a história daquela cidade - a catedral é o sinal de que ela tem história. Na Idade Média, as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil, constrói-se um shopping center. É curioso: a maioria dos shopping centers tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas; neles não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de missa de domingos. E ali dentro sente-se uma sensação paradisíaca: não há mendigos, crianças de rua, sujeira pelas calçadas...
Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno, aquela musiquinha de esperar dentista. Observam-se os vários nichos, todas aquelas capelas com os veneráveis objetos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas. Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos céus. Se deve passar cheque pré-datado, pagar a crédito, entrar no cheque especial, sente-se no purgatório. Mas se não pode comprar, certamente vai se sentir no inferno... Felizmente, terminam todos na eucaristia pós-moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo suco e o mesmo hambúrguer de uma cadeia transnacional de sanduíches saturados de gordura…
Costumo advertir os balconistas que me cercam à porta das lojas: “Estou apenas fazendo um passeio socrático.” Diante de seus olhares espantados, explico: “Sócrates, filósofo grego, que morreu no ano 399 antes de Cristo, também gostava de descansar a cabeça percorrendo o centro comercial de Atenas. Quando vendedores como vocês o assediavam, ele respondia: “Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz.”

Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Luis Fernando Veríssimo e outros, de “O desafio ético” (Garamond), entre outros livros.

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Doce de Teresa
1º Lugar, IV Prêmio Escriba de Contos, Secretaria Municipal de Ação Cultural de Piracicaba, SP
Menção Honrosa, Prêmio Cataratas de Conto, Prefeitura Municipal de Foz do Iguaçu, PR
3º Lugar, Grande Concurso de Poesia e Prosa, Taba Cultural Editora, Rio de Janeiro, RJ
1º Lugar, Prêmio Cidade de Blumenau, Sociedade dos Escritores e Fundação Cultural de Blumenau, SC
1º Lugar, X Concurso de Contos José Cândido de Carvalho, Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, RJ
Menção Honrosa, XXXI Concurso de Contos Abdala Mameri, Academia de Letras e Artes de Araguari, MG
2º Lugar, Concurso Literário Açoriano de Contos e Poesias, Prefeitura Municipal de General Câmara, RS
Menção Honrosa, V Concurso de Contos Tristão dos Valles, Associação de Escritores de Bragança Paulista, SP

Teresa, não. As outras, não sei, mas ela, com certeza, não. Nunca reclama. Parece um
doce que não desanda. Sentada na varanda de sua casinha modesta, mas limpinha,
casinha branca de janelas azuis, tão de brinquedo que parece uma pintura. Florezinhas
plantadas em latas de óleo vazias, um gato malhado que dorme no primeiro degrau.
Borboletas voando que estalam as asas, feito quem diz: “Ai, que bom viver! Ai, que
delícia!”. Ali não é um lugar, é uma lembrança de infância.
Será por isso que os filhos nunca aparecem? Nem para as festas? As comadres falam
“que absurdo!”, e outras exclamações cheias de vogais. Teresa, não. Nunca reclama.
Ao invés, faz mais doces, mais e mais. E tão difícil que é, veja só: num fogão de lenha!
Tem que catar graveto, que ela não tem dinheiro para encomendar lenha já cortada,
como a vizinha Salete, aposentada do Correio. Que quê tem? Graveto dá no chão,
graveto dá de graça. É só pegar.
Teresa pega as coisas do ar. Com seus olhinhos de jabuticaba, só faz sonhar. Por isso
que a vida não dói. Fazendo beiradas de paninhos de copa, vai cabeceando,
cabeceando até cochilar. Entra no sonho, toma um sorvete com o primeiro namorado,
brinca de roda com as amigas de longas tranças, banho de rio, rouba goiaba e faz doce
de tacho... Acorda com o cheiro do doce de verdade. Quase passou da hora de tirar do
fogo!
Teresa gostava muito de filme de bangue-bangue. Perdia tempo escrevendo cartas
compridas para uma sua prima do interior mais interior que o dela. E tendo já uma
queda para o doce, ia matando menos índios, dando menos tiros, amansando os
gritos, aumentando os romances e suspiros, terminando por fazer do tal filme, um
melado. Mas agradava. A prima sempre respondia agradecida, dizendo que não
perderia de jeito nenhum o tal filme, quando passasse em sua cidade. Que nunca ia
ser: no interior do interior ninguém nem sabia o que era filme, que dirá cinema.
Isso quando era menina-moça. Depois o marido largou dela e teve de pelejar para criar
os sete filhos. Só. Com doce. O que ficava de menino com o nariz espetado na janela,
que nem pardal querendo roubar pão da mesa de gente, nem te conto. Um mundo!
Esqueceu dos filmes. E o doce? Levado em potes, para as casas com mais abastança.
Nem por isso parava de brotar, do seu coração, mais doce, mais e mais. Quem não tem
vocação para amarga, venha a onda que for — não arrasta. Nem salga.
Nesse meio tempo, teve de botar as cartas, letras, filmes e histórias de lado. Para
depois. Mas depois sempre vem. Os sete filhos, criados, foram cada um para um lado.
Nenhum puxou seu jeito doce, todos traziam o selo do pai: sério, preocupado com

cordel e xilogravura

Literatura de Cordel e Literatura Oral 





literatura de cordel - cultura popular do nordeste
Literatura de Cordel: folheto ilustrado com xilogravura
O que é e origem 
literatura de cordel é uma espécie de poesia popular que é impressa e divulgada em folhetos ilustrados com o processo de xilogravura. Também são utilizadas desenhos e clichês zincografados. Ganhou este nome, pois, em Portugal, eram expostos ao povo amarrados em cordões, estendidos em pequenas lojas de mercados populares ou até mesmo nas ruas.
Chegada ao Brasil 
A literatura de cordel chegou ao Brasil no século XVIII, através dos portugueses. Aos poucos, foi se tornando cada vez mais popular. Nos dias de hoje, podemos encontrar este tipo de literatura, principalmente naregião Nordeste do Brasil. Ainda são vendidos em lonas ou malas estendidas em feiras populares.
Um dos poetas da literatura de cordel que fez mais sucesso até hoje foi Leandro Gomes de Barros (1865-1918). Acredita-se que ele tenha escrito mais de mil folhetos. Mais recentes, podemos citar os poetas José Alves Sobrinho, Homero do Rego Barros, Patativa do Assaré (Antônio Gonçalves da Silva), Téo Azevedo. Zé Melancia, Zé Vicente, José Pacheco da Rosa, Gonçalo Ferreira da Silva, Chico Traíra, João de Cristo Rei e Ignácio da Catingueira.
Poética do cordel:
- Quadra: estrofe de quatro versos.
Literatura Oral 
Faz parte da literatura oral os mitos, lendas, contos e provérbios que são transmitidos oralmente de geração para geração. Geralmente, não se conhece os autores reais deste tipo de literatura e, acredita-se, que muitas destas estórias são modificadas com o passar do tempo. Muitas vezes, encontramos o mesmo conto ou lenda com características diferentes em regiões diferentes do Brasil. A literatura oral é considerada uma importante fonte de memória popular e revela o imaginário do tempo e espaço onde foi criada.

Literatura de Cordel e a Xilogravura
Xilogravura significa gravura em madeira. É uma antiga técnica, de origem chinesa, em que o artesão utiliza um pedaço de madeira para entalhar um desenho, deixando em relevo a parte que pretende fazer a reprodução. Em seguida, utiliza tinta para pintar a parte em relevo do desenho. Na fase final, é utilizado um tipo de prensa para exercer pressão e revelar a imagem no papel ou outro suporte. Um detalhe importante é que o desenho sai ao contrário do que foi talhado, o que exige um maior trabalho ao artesão.
Existem dois tipos de xilogravura: a xilogravura de fio e a xilografia de topo que se distinguem através da forma como se corta a árvore. Na xilogravura de fio (também conhecida como madeira à veia ou madeira deitada) a árvore é cortada no sentido do crescimento, longitudinal; na xilografia de topo (ou madeira em pé) a árvore é cortada no sentido transversal ao tronco.
A xilogravura é muito popular na região Nordeste do Brasil, onde estão os mais populares xilogravadores (ou xilógrafos) brasileiros. A xilogravura era frequentemente utilizada para ilustração de textos de literatura de cordel. Alguns cordelistas eram também xilogravadores, como por exemplo, o pernambucano J. Borges (José Francisco Borges).
A xilogravura também tem sido gravada em peças de azulejo, reproduzindo desenhos de menor dimensão. Esta é uma das técnicas que o artesão pernambucano Severino Borges, tem utilizado em seus trabalhos.